mercredi 5 février 2014

Natal de 2013

Me foi sugerido que eu escrevesse. Não pareceu suficientemente convincente no momento, mas foi o bastante para me trazer até aqui para escrever. Não sei se escreverei outras vezes além desta. Isto é um teste. Além disto, tudo o que eu escrever aqui são baseados unicamente em memórias e em impressões minhas e será escrito num estilo um pouco informal, mas talvez não tanto (quem sabe isso se chame 'estilo arrogante'). Dito isto, vamos ao que interessa.


Dia 24 de Dezembro de 2013 foi mais o que parecia ser mais um natal qualquer para mim, mais uma convenção social da sociedade cristã cuja eu me via obrigado a participar mesmo sendo declaradamente ateu. O natal não transmite e nunca transmitiu realmente ares religiosos. O tom que sempre me passou foi o de muita comida boa, muito calor, brigas desnecessárias nos dias que o antecedem e, nos tempos em que eu era adventista, a contradição da minha mãe bebendo vinho depois de fazer uma oração (gaguejada por conta da dificuldade que brasileiros costumam ter em falar usando 'tu' e 'vós') finalizada com algum clichê adventista do tipo 'te peço não porque merecemos, mas em nome do seu filho amado, nosso senhor Jesus, amém'. Neste natal especificamente eu não prestei atenção o bastante à oração para recordá-la agora em Fevereiro, mas sei que minha mãe pediu a deus (sim, com letra minúscula, pois deus é um título, uma condição de existência nas mitologias, não um nome próprio - o nome do deus cristão pode ser Javé, Jeová ou Yaweh) para que, além de abençoar o alimento que iríamos comer em seguida, também me fizesse enxergar o caminho correto, que me fizesse voltar a ser cristão (o que é curioso, ela parecia ignorar aí o problema teológico imposto pela apostasia, mas tudo bem, não vem ao caso) para que eu seguisse minha vida em retidão junto aos passos de deus. Enquanto ela dizia isso eu estava prestando muito mais atenção em como todos à mesa estavam de olhos fechados durante a oração. Na verdade não me lembro se meu pai estava de olhos fechados, mas me lembro que meu cunhado; apelidado de Dedel; minha irmã, Bárbara; minha mãe, Margarida; e meu sobrinho, Ryan; estavam a princípio de olhos fechados. A princípio porque como toda criança de 4 anos e meio relativamente normal, o Ryan ficou curioso demais - sobretudo numa situação excepcional como a natalina - e abriu os olhos para observar as pessoas, assim como eu, que não fechei os olhos em momentos algum, estava fazendo. Eu fiquei encarando o Ryan, até que ele começou a se mexer demais, culminando num barulho incômodo que atrapalhava a oração feita pela minha mãe e que levou minha irmã a abrir os olhos para fazer com que ele parasse e cruzasse as mãos para a oração conforme lhe fora ensinado na igreja. O comportamento dele durante o resto da oração não foi exemplar, mas foi o suficiente para que a fala com o admitido ser divino fosse concluída. Quanto ao pedido para que eu deixasse de ser ateu, dei um leve sorriso para dentro, pois ciente da situação e da penosa e desgastante mini-batalha verbal que eu teria com o resto da minha família, me contentei em abafar.
Pois bem, comemos. Minha mãe tomou o vinho dela, meu pai a Coca-Cola (vício) dele. Eu particularmente comi menos do que eu imaginei que comeria. Minha fome realmente parecia maior antes da ceia. Mesmo assim, comi bem. Muito bem. Então, como é típico do meu pai, homem ansioso e que se sente constantemente na obrigação de estar atarefado com alguma coisa, os pratos começaram a ser retirados da mesa por ele para serem imediatamente lavados. Eu não gosto disso, pois a ausência do meu pai cria inevitavelmente um desfalque na mesa que o Dedel tenta preencher, ora com sucesso, ora sem sucesso - o que gera pedidos também típicos por parte da minha irmã dirigidos ao meu pai para que ele 'deixe aquilo pra lá' e para que volte a mesa. Pedidos estes sempre negados ou simplesmente ignorados. Meu pai terminou de lavar os pratos enquanto eu comia cerejas. O Dedel alegou que nunca havia comido cerejas, o que não é verdade, mas ele disse que não se recordava de ter comido uma cereja um dia. Então ele me pediu uma cereja, eu lhe entreguei e ele mordeu a cereja com força usando os dentes molares do lado esquerdo, que encontraram ao fim, ou melhor, ao meio, da mordida o duro caroço da cereja. Foi engraçado ver o Dedel reclamando de dor para mim e para a Bárbara. A Bárbara retrucou algumas vezes que ele já havia sim comido cerejas, o que deixava a situação ainda mais cômica.
Passada a pequena crise de dor do meu cunhado e a lavagem de pratos do meu pai, fomos abrir presentes. Os presentes do Ryan - vários - estavam num quarto vazio. Este quarto foi o quarto dos meus pais entre 1996 e 2011, ano em que fizemos uma reforma que destruiu (literalmente) nossa casa e que nos obrigou a dormir de favor na casa ao lado, a casa da minha irmã e do meu cunhado. Este quarto foi reformado em 2013, junto com o quartinho de custura que havia do lado dele (que originalmente, no projeto dos anos '90 era para ser um banheiro que nunca ficou pronto), bem como com metade do cômodo que foi meu quarto entre 1998 (ano de morte do meu avô materno) e 2011. O quarto dos meus pais foi reformado para voltar a ser o quarto dos meus pais, embora estranhamente tenha perdido o ar-condicionado que havia sido instalado nele em 2009, o quarto que servia como quarto de costura se tornou um quarto ladrilhado bonito para se tornar um closet para minha mãe, um sonho de consumo dela. Já na parte que fora meu quarto até 2011, foi feito um parede na entrada original e aberta uma porta que o ligava com o quarto que viria a ser um closet, e lá foi feito um banheiro chique, realmente muito chique, coisa de novela da Globo; um banheiro que segundo um amigo meu 'é a cara do capitalismo' ou ainda 'a cara da riqueza'. Este banheiro conta com uma banheira, um boxe para o chuveiro, uma desnecessariamente grande bancada de mármore com duas pias (absurdo, não?), uma para minha mãe, uma para meu pai. Tudo isto estava vazio, como eu dizia anteriormente, antes deste devaneio. Estava tudo vazio porque o Zé, o pedreiro que fez a reforma destes três cômodos não avisou ao Jurandir, o marmoreiro que fez o mármore que serve de suporte à banheira, como deveria ser feito o encaixe do mármore, de modo que uma peça que serve para controlar a temperatura da água da banheira ficou indevidamente escondida dentro do mármore (também absurdo, não?) de modo que era, e ainda é, impossível aquecer a água da banheira, tornando ela inutilizável, apesar de sua beleza. Enfim, voltemos aos presentes no natal. Os presentes estavam, como eu disse, neste quarto vazio. O Ryan os olhava e meu pai e minha mãe os indicavam como sendo dele, enquanto eu filmava com a câmera digital do Dedel essa alegria toda concentrada na figura do Ryan. Eu sorria, silencioso. Filmei por todo o tempo, inclusive quanto o Ryan ganhou uma pequena bateria de brinquedo. Ele foi muito sincero ao dizer para seu pai: "Né que eu não preciso mais da bateria do tio Victor?". Esse sinceridade me incomodava, mas me deixou feliz, visto que desde então eu não preciso mais me incomodar com invasões do Ryan ao meu quarto, aos berros, para 'tocar' bateria, isto é, para bater descontroladamente em todos os pratos e tambores enquanto eu tento estudar.
Continuei filmando até acabar a bateria, em meio à troca de presentes entre os adultos, mas filmei o bastante para registrar as vozes da minha mãe e da minha irmã discutindo por algum motivo que não me lembro agora (não assisti à gravação ainda) onde pode-se ouvir minha mãe falando rispidamente alguma coisa e a minha irmã a repreendendo baixinho com algo como 'mãe, tá bom, fala baixo, tá filmando'.  Isso só me faz ter mais certeza de que é extremamente difícil agir com naturalidade, com sinceridade, em frente a uma câmera ou algum dispositivo gravador, pois em algum lugar de nossas mentes existe a preocupação de transmitir uma imagem de perfeição, de harmonia total com tudo para ser vista no futuro. Alguns aparelhos eletrônicos geram falsidade. Eu acredito que seja este o caso. Quando a bateria da câmera acabou, eu parei de filmar e apoiei a câmera na escada da sala (eu e meu pai estávamos sentados embaixo da escada, numas poltronas pretas feias, de verdadeiro mal gosto que meu pai conseguiu de graça se não me engano com algum cliente que desistiu dos móveis da mudança). Durante a troca de presentes minha mãe impôs a regra de que nós deveríamos adivinhar o que eram os presentes antes de abri-los, e caso errássemos, deveríamos pagar um mico. Mas isso não deu tão certo quanto ela esperava; só às vezes pagamos o mico, mas vexados, de uma forma meio sem sal. Na ocasião, o centro da atenções e da graça era indubitavelmente o Ryan, a criança de 4 anos. E era normal que assim fosse, ou ao menos eu considero desta forma.
Enquanto isto tudo acontecia, eu fiquei em silêncio a maior parte do tempo, rindo às vezes, sorrindo muito mais vezes e me lembrando que minha mãe havia dito para minha namorada, também chamada Bárbara, dias antes algo como "Eu sou animada, aqui em casa tem que ter alguma coisa no natal, por mais que a gente só faça a festa entre nós mesmos daqui, sempre tem que ter alguma coisa. Aqui não tem essa de natal morto não!" - talvez minha namorada se lembre melhor, mas não vou perguntar sobre isso a ela. Também imaginei como estaria sendo o natal na casa da minha namorada. Enfim, me lembrei da minha avó materna, que no único natal no qual ela passou comigo em Curitiba (que eu me lembre), em 2008, dois anos antes de morrer, ela havia ficado muito animada com esse joguinho sugerido/imposto pela minha mãe.
Enfim, depois de muito conversarmos e rirmos, o Dedel, a Bárbara e o Ryan (já desmaiado de sono) foram para casa para dormirem e também para cuidar da Eduarda, a irmã do Ryan, de 1 ano. Depois deles terem ido, fui ao meu quarto e peguei os presentes que eu havia comprado para meu pai e para minha mãe: um livro sobre Auscwitz para meu pai, porque eu acho que ele deve ler a respeito disso para melhor entender a Segunda Guerra Mundial, e uma garrafa de vinho português para minha mãe, pois eu sei que ela gostava de vinhos portugueses. Depois disso fomos dormir.

No dia seguinte, natal efetivamente, 25 de Dezembro, na hora do almoço comemos muito bem outra vez, e por conta da vontade da minha irmã de ir até Leopoldina visitar nossa prima Pricilla num fim de semana durante a viagem que ela, o Dedel e seus filhso fariam em alguns dias até Juiz de Fora, coisa com a qual Dedel não concordou, minha irmã e meu cunhado brigaram feio. Ao ponto da cabeça da minha irmã ficar confusa e ela ter começado a chorar e a tentar convencer meu cunhado a levá-la até Leopoldina se valendo ora da vitimização, ora da insistência, por vez da brincadeira e por vez da acusação, mas sem resultados aparentes. A situação foi incômoda, mas eu continuei almoçando normalmente, e minha mãe, preocupada com o Ryan que assistia a isto disse: "Calma gente, é natal". Como se isso mudasse alguma coisa. O efeito que surgiu foi o Ryan gritando 'é natal' repetidas vezes, numa tentativa infantil, mas legítima e compreensível de desviar a atenção de seus da briga em que se encontravam. Depois eles foram para a casa deles e nós ficamos na nossa. Minha mãe falou comigo a respeito da briga e eu disse para ela que era muito mais simples e menos desgastante não se importar com o problema da Bárbara e do Dedel, afinal, era problema deles e que não nos dizia respeito. Ela silenciou. Eu enxuguei a louça e fui para meu quarto ler, estudar e ficar na internet, como de costume.
Este foi o nosso natal, e o começo do fim. Do fim de um ciclo de vida.